Em Portugal, é a primeira vez que a Carta de Pêro Vaz de Caminha, "a certidão de nascimento do Brasil", é exposta fora de Lisboa
Hoje,
pelas 10.00 da manhã, a carta que Pêro Vaz de Caminha escreveu a D.
Manuel I, dando conta da "nova do achamento desta vossa terra nova", vai
sair da Torre do Tombo, em Lisboa, para pela primeira vez em Portugal
ser exposta fora da capital. A partir de terça-feira, dia 26 de abril, e
durante seis meses, vai ser a estrela maior da exposição O Novo Mundo e
a Palavra, que vai ocupar uma das salas da torre de menagem do Castelo
de Belmonte, na Beira Baixa.
É um
daqueles documentos com o qual todos os portugueses já se cruzaram na
disciplina de História, o primeiro testemunho da existência de um Novo
Mundo, uma terra povoada de gente "de bons corpos, pardos, maneira
d"avermelhados". Não admira, portanto, que esta carta, de 28 páginas
escritas pelo punho de Pêro Vaz de Caminha, e datada de 1 de maio de
1500, raramente saia da caixa-forte do Arquivo Nacional Torre do Tombo.
Num
papel de trapos feito, este primeiro relato de uma realidade que mudou
verdadeiramente a face da terra, foi incluído pela UNESCO no Registo da
Memória do Mundo, em 2005. Exatamente cinco anos depois de, em 2000, ter
voltado a atravessar o Atlântico, regressando à Terra de Vera Cruz para
assinalar os 500 anos do "achamento" que relata. A nau comandada por
Gaspar de Lemos ficou dispensada desse retorno, envolto em todo o
cuidado. Na ocasião foi transportada numa mala especial e acompanhada de
muito perto por Luís Sá, conservador da Torre do Tombo, que hoje
voltará a ser o guardião do documento, um dos 18,5 milhões do arquivo já
disponibilizados na internet.
"É uma
mala que tem isolamento térmico e é antichoque, com espuma. Para além
disso tem uma capinha, ligeiramente alcalina, em que vai envolvida [a
carta] e, finalmente, tem duas camadas de um material, que tem na sua
composição sílica-gel, que faz a estabilização se houver alguma
oscilação. A mala consegue garantir [as condições ideias de conservação
durante] cerca de 48 horas", explica Luís Sá.
Tempo
mais do que suficiente para chegar a Belmonte, na Beira Baixa,
conduzida por um dos motoristas da câmara local, de quem partiu a
iniciativa de realizar esta exposição. O porquê foi ontem prontamente
avançado pelo presidente da autarquia: "Belmonte é a terra de Pedro
Álvares Cabral, o capitão-mor da armada em que Pêro Vaz de Caminha
participou." O objetivo é claro: chamar mais visitantes ao concelho que
lidera. "Calculamos que recebemos cerca de 65 mil visitantes por ano e,
com esta iniciativa, pretendemos chegar aos cem mil", quantifica António
Rocha, durante a apresentação da exposição, ontem, na Torre do Tombo,
onde até um chefe Patachó, de Porto Seguro, local onde a armada de
Álvares Cabral desembarcou, marcou presença. Tal como os primeiros
homens descritos por Pêro Vaz de Caminha, trazia "uma maneira de
cabeleira de penas d"ave".
Condições especiais
À
espera do documento, um dos quatro à guarda da Torre do Tombo que fazem
parte do Registo da Memória do Mundo da Unesco, está uma renovada sala
da torre de menagem. Uma temperatura entre os 18 e os 22 graus e níveis
de humidade entre os 45% e os 55% são duas das maiores exigências para a
exibição do documento, identificadas por Silvestre Lacerda, diretor da
Torre do Tombo. Além do mais, "foi construída uma vitrina específica
para poder receber a carta, permanentemente monitorizada e vigiada",
explicou o responsável do arquivo nacional. Os dados são recebidos na
Torre do Tombo e verificados para caso haja alguma alteração substancial
ser logo feita uma intervenção.
Filomena
Marques, da empresa desafiada para pôr de pé esta exposição, explica
outras intervenções feitas na sala da torre de menagem do castelo que
tem pouco mais de 30 m2. "Todo o espaço onde a carta será exibida foi
forrado com uma espuma própria de forma a proteger da luz e da
humidade", concretiza. Mas há mais: "As janelas existentes foram
anuladas da sua função original e optámos por as utilizar como ponto de
informação. Assim, controlamos em absoluto as condições do ar."
"O
espaço está dividido em duas partes. A primeira área, a que se acede a
partir do terraço de pedra do Castelo de Belmonte, é ilustrada com
imagens multimédia que remetem para o imaginário medieval e dos
bestiários, em três planos sobrepostos - que se distinguem
sucessivamente graças ao uso de diferentes luzes, um recurso expositivo
criado em parceria com o ateliê Carnovsky e utilizado pela primeira vez
em Portugal", explica Filomena Marques.
Numa
zona mais restrita, onde estará a tal vitrina especial, com a Carta de
Pêro Vaz de Caminha, "privilegia-se a descrição e a palavra, sendo o
documento contextualizado através de peças dos séculos XV e XVI cedidas
pelo Palácio Nacional de Sintra (azulejos), Casa--Museu Medeiros e
Almeida (uma pintura representando Nossa Senhora do Leite, do Mestre da
Lourinhã) e Museu Nacional de Arte Antiga (uma Virgem com o Menino,
esculpida na oficina de João Afonso). Em fundo, vozes dos alunos da
Escola de Música de Belmonte leem excertos da Carta.
Com
entrada gratuita para a população local, a exposição é inaugurada na
terça-feira, dia 26 de abril, exatamente 516 anos depois de ter sido
rezada a primeira missa no Novo Mundo.
In Diário de Notícias online, 22/04/2016
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