Três meses depois de a electrificação da linha estar terminada, a CP mudou os comboios Intercidades, mas garante que o conforto é o mesmo. O i foi tirar a prova dos noves.
José Sócrates tinha prometido a conclusão da electrificação da Linha da Beira Baixa para 2009, mas as obras até à Covilhã só terminaram a 31 de Julho deste ano. A última fase custou mais de 100 milhões de euros e trazia a maior vantagem para os passageiros: deixou de ser preciso trocar a máquina do comboio Intercidades na estação de Castelo Branco, poupando-se cerca de 20 minutos entre Lisboa e a Covilhã. De quatro horas de viagem passou-se para 3 e 41 – pelo menos em teoria. Três meses depois de a electrificação da linha ter chegado à Covilhã, a CP decidiu substituir os tradicionais comboios de longo curso por automotoras eléctricas. Uma mudança, argumenta a empresa, que permitirá poupar 1,5 milhões de euros por ano, mantendo o mesmo conforto para os passageiros. O i fez-se à linha da Beira Baixa para experimentar as novas carruagens e tirar a prova dos noves, numa viagem de mais de oito horas entre Lisboa-Oriente e a Covilhã.
A automotora Por pouco – e não fosse a jornalista ter avisado ao telefone minutos antes do embarque –, o fotógrafo teria ficado até às seis da tarde sem almoçar. É que as novas automotoras, reformuladas propositadamente para circularem até à Covilhã (num investimento que rondou os 600 mil euros), não têm serviço de bar. Para quatro horas de viagem existem apenas duas máquinas de vending instaladas numa das carruagens de segunda classe, com águas (1,20 euros cada), batatas fritas, gomas, chocolates e embalagens de minicroissants. A decisão de acabar com o bar, explica a CP, teve a ver com a “pouca procura” do serviço. Depois da entrada no comboio, às 13h26 em ponto, rapidamente se percebeu que o serviço é substancialmente diferente do anterior, apesar de o preço dos bilhetes ser o mesmo. Os bancos são parecidos com os de um comboio suburbano e nem sequer há cortinas, nem mesmo na primeira classe. Ainda assim, a CP garante que o conforto é o mesmo, que até há melhores acessos, casas de banho mais modernas e mais espaço disponível. Mas as melhores condições, diz a empresa, encontram-se mesmo na primeira classe – “onde existe maior conforto dos bancos, mais espaço e tomadas para carregamento de portáteis”. Ora os bancos são praticamente iguais aos da segunda classe (só muda a cor). O tal espaço acrescido resulta de existirem menos meia dúzia de bancos na carruagem e quanto às tomadas não estavam a funcionar. Apesar de existirem poucas diferenças entre a primeira e a segunda classe, os dez passageiros que viajaram na carruagem conforto até à Covilhã pagaram mais 5,5 euros de bilhete.
A poupança O novo modelo de comboio, garante a CP, vai permitir poupar 1,5 milhões de euros por ano, sublinha a empresa, devido a uma maior eficiência energética, dado que o consumo das automotoras é “inferior” ao das locomotivas. Além disso, o novo comboio permite também cortar no pessoal, por ter duas cabines de maquinista – uma à frente e outra atrás da composição. À chegada às estações terminais, a CP tinha de pagar à REFER para que disponibilizasse manobradores para virarem a locomotiva ao contrário antes de seguir novamente viagem. O encargo deixa agora de existir: para fazer a viagem de regresso basta que o maquinista se mude para a outra cabine. Nas estações do Fundão e da Covilhã – recentemente remodeladas – já não existem funcionários a maior parte do tempo. As bilheteiras estão fechadas e a compra dos bilhetes é feita já dentro do comboio, junto do revisor. A tarefa pode ser complicada nos dias em que há maior procura do serviço, às sextas-feiras e ao domingo.
Os passageiros Em 2009 houve 288 mil passageiros a utilizar a Linha da Beira Baixa, segundo os dados da CP. No ano passado viajaram 277 mil pessoas e este ano, até Agosto, houve 177 mil passageiros. Contas feitas, circulam 128 passageiros por cada comboio Intercidades na Linha da Beira Baixa.
As novas automotoras têm capacidade para levar 192 pessoas, podendo ser aumentada facilmente se houver necessidade – basta acoplar mais carruagens. E a CP aproveita para esclarecer que não há comboios Intercidades, mas “um serviço Intercidades”, que se caracteriza não pelo tipo de material que circula, mas por fazer a “ligação diária entre as principais cidades do país”. Ou seja, o Intercidades não está “vinculado a um tipo específico” de comboio.
No entanto, o argumento não convence os utilizadores e os autarcas da Beira Baixa. A mudança do tipo de comboio já foi criticada na Assembleia Municipal da Covilhã, onde há pouco mais de um mês foi aprovada, por unanimidade, uma moção de contestação. Jorge Saraiva, deputado do PSD, entende que a troca de comboios “por automotoras do século passado” é uma medida “intolerável” e de “vistas curtas”, especialmente “numa altura em que vão ser introduzidas portagens na A23. Já a Associação dos Amigos da Linha da Beira Baixa acredita que a qualidade do serviço “vai piorar”, porque as automotoras foram construídas na década de 1970 para “trajectos urbanos curtos e nunca para viagens de longo curso”. A verdade é que a automotora só consegue chegar aos 120 km/h – velocidade inferior aos 160 km/h das locomotivas. A CP defende-se e explica que os limites máximos de velocidade na Linha da Beira Baixa oscilam entre os 90 km/h e os 120 km/h. Durante a viagem, o i confirmou que existem pelo menos 25 zonas na linha em que o comboio é obrigado a reduzir a velocidade para 50 km/h e mesmo 30 km/h. Fonte ligada à empresa explica que essas dezenas de abrandamentos só acontecem porque a REFER “não investe na linha”, que, com alguns melhoramentos, poderia permitir a circulação a velocidades superiores.
atrasos e queixas A hora prevista de chegada à Covilhã estava marcada para as 17h01, mas, entre abrandamentos e paragens em sinais vermelhos (o controlo da linha é feito a partir de Braço de Prata, em Lisboa), o comboio acabaria por se atrasar mais de 20 minutos. O atraso, garantiram alguns passageiros, “é coisa habitual”, porque os horários da CP não contemplam os abrandamentos do comboio. Contudo, a CP diz que as automotoras – que há 18 anos circulavam na Linha de Sintra – fazem o serviço “em tempos semelhantes” ao anterior equipamento – que também já costumava chegar atrasado 15 minutos à Covilhã.
“Mais valia mudarem os horários de uma vez por todas”, queixava-se Maria Helena, 82 anos, pouco antes da chegada ao Fundão. “Isto agora nem se compara no que diz respeito ao conforto, embora haja mais espaço”, admite. Mas a principal queixa desta passageira, que faz a viagem uma vez por mês, é “a falta de cortinados”. Ao lado, Fátima Valdez queixa-se do conforto dos bancos: “Tenho de começar a pensar em trazer uma almofada”, diz. André Barata, professor na Universidade da Covilhã, afirma que “o pior” é não haver carruagem-bar e defende que em tempo de crise a população deveria ser encorajada a viajar de transportes públicos. “Especialmente agora, com a introdução das portagens na A23”, argumenta. Telmo Gaspar é estudante na mesma universidade e recorda que se esperou “anos” pela electrificação, “mas afinal só foi concluída para substituírem o comboio por uma automotora, quando os passageiros esperavam uma melhoria substancial no serviço”, diz.
Depois de pouco mais de uma hora na Covilhã, o i voltou a entrar na mesma automotora e regressou a Lisboa, onde chegou com os habituais 15 minutos de atraso. Já a CP avisa que não volta atrás na decisão: “É uma solução definitiva”, garante a empresa.
in Jornal i, 16 de novembro de 2011.
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