O rio Erges, Erjas, ou Riu das Elhas na Fala ou Xalimés, é um dos últimos rios selvagens de Portugal.
Texto: Carlos Neto de Carvalho
A sua natureza bravia determinou uma porção de fronteira que, embora socialmente permeável, ao longo de 50 quilómetros é uma das mais antigas definidas entre nós e os vizinhos espanhóis. Esta natureza confere-lhe traços de personalidade próprias, a nível de uma paisagem cultural pouco humanizada, desde que nasce e se despenha da Sierra de Gata, em plena Cordilheira Central Ibérica. Na raia, fruto de uma geodiversidade extraordinária e como resposta à evolução do curso do Tejo na direcção do Atlântico, o Erges abriu três profundas gargantas, cuja forma, profundidade e orientação do vale foram determinantes para a ocupação humana, mas também para a subsistência de ecossistemas de grande importância para a conservação, no âmbito do Parque Natural do Tejo|Tajo Internacional, hoje também Reserva da Biosfera e parte do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO.
O Erjas passa a partilhar nome português alguns quilómetros antes das Termas de Monfortinho, na confluência com o seu afluente Baságueda. No seu trajeto impaciente para sul no encalço do Tejo, arrebatado após forte chuvadas, inexistente num longo e infernal estio, a erosão de um campo filoniano determina que as aluviões acabem por concentrar ouro e terras raras, na forma cristalina de monazite e xenótimo, na transposição dos dois flancos quartzíticos do sinclinal de Aranhas-Penha Garcia-Cañaveral.
Aqui, o rio serpenteia entre “canchos” duros de roer e define seis níveis de terraços ao longo de cerca de sete quilómetros, grande parte dos quais revolvidos pelos romanos e até à década de 1930. No final da década de 1980, deu-se a última tentativa de explorar nas Veigas, mas na margem espanhola, as aluviões auríferas do Erges.
Dos quartzitos irrompem ricas nascentes termais de água muito leve, com caudais até 12 litros por segundo e temperaturas inferiores a 30ºC, após largos anos de circulação no interior do sinclinal, atingindo um quilómetro de profundidade. Estas águas ricas em sílica dissolvida, em profundidade, da dura rocha quartzítica da serra do Cancho, com reconhecidas propriedades terapêuticas e há séculos apelidadas de “santas”, não foram certamente desconhecidas dos romanos e enriqueceram a raia dando renome às Termas de Monfortinho.
A Rota do Erges é um dos percursos pedestres sinalizados que permite descobrir esta fronteira de água. Em trajecto circular de 6km, é um excelente complemento, físico e psicológico, a quem vem às Termas de Monfortinho em busca de dias de 24 horas. O percurso ladeia o rio e permite descobrir o complexo termal aqui construído na década de 1940.
Suba-se às alturas da crista do Cancho e aprecie-se o nascer do dia, os Canchos de Morero com as ruínas castrejas do outro lado do rio. Contemple-se este oásis raiano, com toda a serenidade. Outro dia poderá ser de descoberta dos sítios que fazem deste sinclinal de Penha Garcia um imenso recurso hidrogeológico ou seguir o curso das águas nascentes nas Termas de Monfortinho para sul, para conhecer paisagens e lugares ao longo do Erges que ajudaram a escrever páginas importantes da história de Portugal, como Salvaterra do Extremo, Segura e Rosmaninhal.
In National Geographic, 17 de Dezembro de 2021
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